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Gildo Lanches: até onde deu para ir de bicicleta

REDAÇÃO PEDALAR

De domingo a domingo, comia  no estabelecimento de um humilde trabalhador que percorria cerca de 12 km de bicicleta para vender lanches. A luta diária de Gildo Gonçalves de Souza sensibiliza. Ele saía do bairro do Torrões, onde reside, e ia até a Praça do Derby, com paradas durante a rota. Sempre achei o ato de pedalar fantástico, mas sabia dos riscos que o empreendedor corria por carregar muito peso pedalando numa cidade sem estrutura para ciclistas e, ainda mais, perigosa na vida noturna. Tinha dia que o vendedor estava visivelmente cansado justamente porque trabalhava 13 horas. Dá pra imaginar uma pessoa que sai de casa às 16h e só volta às 5h? Esse é Gildo Lanches, 51 anos, casado, pai de quatro filhos, ex-vigilante e comerciante há 13 anos. 

Tudo começou sozinho, de bike. Nem ele imaginava que o dinheiro recebido quando deixou de ser vigilante o levaria ao sucesso. De fato, a compra da bicicleta como investimento foi o ponto chave para criar uma clientela em vários pontos da cidade e conquistar feitos maiores, como pagar a escola particular da filha e reformar a casa. Vender produtos em cima da “magrela” não era algo inovador. Já existiam entregadores de água, pão, jornais e botijões de gás, entre outros. Mas, mesmo assim, Gildo conseguiu consolidar a marca através de um modelo de negócio que atrai o nicho mais popular de consumidores. Hoje, diante dessa crise, virou tendência.     

É preciso disposição para enfrentar todos os dias a “maior avenida em linha reta do Brasil”, Caxangá, e fôlego para carregar caixas e mais caixas de lanches na garupa da bicicleta. Não é para todo mundo. A pausa em locais específicos para vender produtos era genial. Bastava ir até o Supermercado Extra, na rua Benfica, ao Batalhão de Choque, perto da Ilha do Retiro, ao Hospital da Polícia Militar, situado no Quartel do Derby, ou à Praça do Derby a partir das 21h. Lembro até que ele só se recolhia de manhã cedo. Antes disso, apenas se a comida acabasse. 

Por conhecer a sua batalha desde o início, sabia que um dia seria necessário mais pernas no “bike negócios” para dividir o peso e expandir “Gildo Lanches”. Tenho amizade com o primeiro companheiro dele, Sargento Garcia, que o acompanhou praticamente em toda a trajetória e segue até hoje trabalhando lá. Depois dele, vieram mais quatro funcionários, todos utilizando a bicicleta como meio de transporte sustentável e mais barato. 

A bicicleta o inspirou e ajudou no marketing do empreendimento, mas também houve complicações. Me recordo que não acreditei no dia que ele parou de usar o veículo, há quase um ano. Em 2016, ligava toda semana para Gildo, que teve um problema sério de saúde e ficou afastado por cerca de três meses. Uma pena. A pedalada é uma prática de exercício físico, mas devido ao peso que transportava foi diagnosticado com varicocele. Torcia pela sua recuperação e dava conselhos de que seria importante mudar um pouco da sua rotina de bike. Surtiu efeito. O trajeto diário sofreu alterações. Passou a ser da residência dele direto para a Praça do Derby. Foi mais de um ano e meio nessa pegada.

Gildo cresceu tanto que hoje não precisa mais da bicicleta para sobreviver. Revelo que ele sente falta, pois o mesmo amava pedalar. Existem explicações para isso. Nunca vou esquecer que certo dia me assustei com o aumento expressivo da demanda, o obrigando a ser ainda mais ágil na entrega dos produtos. Alguns lanches são produzidos em casa, outros fornecidos. Na época em que ele andava sobre duas rodas, havia imprevistos, como a bike do funcionário quebrar no meio do caminho. Quando isso acontecia, a única saída era dar um jeito na hora porque não tinha como deixar de ser a sensação noturna da Zona Norte do Recife e a alegria dos comilões de todas as classes sociais. 

Sabe como anda Gildo Lanches hoje? Segue com o negócio, de domingo a domingo, com direito a “folga surpresa”, mas agora transportando os produtos em uma kombi e ficando fixo na Praça do Derby, das 20h às 4h30, além de contar com ajuda de cerca de dez funcionários que vão de casa para o trabalho de bicicleta.

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